História

As terras raianas do Riba Côa, tiveram sempre algo que as distinguia de qualquer outra zona Geográfica do país. A forma de vida, os costumes, as tradições e o espírito de vontade enraizado na terra, e a herança cultural deixada por gerações já desaparecidas, constituem profundas marcas que ajudam a personalizar e caracterizar todo o sentir vivencial do povo arraiano. Eu próprio, como arraiano que sou (natural de Fóios) senti a necessidade de aprofundar estas raízes que me são quase desconhecidas, visto ter deixado de viver na terra, há já muitos anos.

Este estudo monográfico e etnográfico sobre a aldeia dos Fóios, pretende ser, não um exaustivo levantamento sócio-cultural do meio, mas sim um levantar do véu, um modo de compreensão e uma busca da realidade quotidiana (e ancestral) das pessoas que habitam essa mesma localidade. Deste meu estudo sobre os Fóios, retirei alguns valores espirituais aos quais me senti inerte, ao aperceber-me da sua real dimensão e significado não só para um povo humilde e generoso (como os Fóios), como também para qualquer sistema social não demasiadamente evoluído.

O que quero dizer sobretudo, é que tudo aquilo que se apreende com os ensinamentos do povo, é válido e legítimo, repleto de ideias culturais enriquecedoras, e passível de se transpor para uma realidade diferente. O que vai ser exposto de seguida, reflecte a minha tentativa de me reencontrar com as minhas próprias raízes, as quais me fizeram e me moldaram um arraiano. Fóios, a aldeia que me viu nascer, merecerá, num futuro tão próximo quanto possível, ser objecto de um estudo mais rigoroso e cientifico do que este pretende ser. Todavia, este trabalho, apesar de não ser muito aprofundado, é concerteza um testemunho fidedigno e credível da actividade social, cultural e folclórica das gentes dos Fóios.

Contexto Histórico Geográfico

Os Fóios inserem-se nas chamadas terras do Riba Côa que compreendem uma orla de terreno que mede aproximadamente 75 Km de comprimento por 25 de largura. Encontra-se a uma altitude de 950m. Esta faixa é limitada ao Norte, pelo rio Douro, ao Sul e Ocidente pelo rio Côa e Província Espanhola da Estremadura e a Oriente, pela Província Espanhola de Salamanca. A Riba Côa pertence parte dos Concelhos de Figueira de Castelo Rodrigo, Almeida e Sabugal e, no extremo Oriental de Vila Nova de Foz Côa e Pinhel.

A 22 quilómetros da cidade de Sabugal, e nas margens do Rio Côa (que nasce muito perto), na serra das mesas, encontra-se a freguesia doa Fóios. Esta aldeia situa-se ainda num vale entre elevadas serras, a curta distância do início do território Espanhol, pelo que se designa a esta zona, como região da raia.

A História Conhecida

A região do Riba Côa foi habitada desde a pré-história. Têm sido encontrados na região machados de sílex e de bronze, dólmens e fortificações castrejas, além de lápides e pontes romanas. Os Fóios apesar de possuírem uma história relativamente longa, até porque são escassos os relatos que indiquem a possibilidade de estabelecer uma linha histórica coerente.

Conta-se que existem sim, duas histórias (paralelas) que relatam os primórdios dos Fóios, uma é tida como conhecida, a outra como meramente hipotética. A parte conhecida da história começa no dia 13 de Maio de 1798, no momento em que o Cura Domingos Martins, seu Pároco, se sentou na escrivaninha e respondeu ao exigente Marquês de Pombal: “ relação do que se procura saber deste lugar dos Foyos, nos interrogatórios do bilhete junto…”

Através deste facto, sabe-se que os Fóios por essa altura, possuíam dez fogos com 33 pessoas adultas e nove menores; que pertencia ao Bispado de Lamego, à comarca de Castelo Branco, à vila do Sabugal, e que era uma paróquia anexa da Igreja Matriz da Nave.

Os Fóios eram pois, pertença da Coroa e cada fogo pagava anualmente um alqueire de centeio ao Conde do Sabugal. O Padre Domingos Matos respondeu aos interrogatórios do Marquês de Pombal (Ministro de D. José) dizendo que a terra dava centeio, e que tinha duas fontes que nunca secavam ( uma a Norte outra a Sul), e que nada sofrera com o terramoto de 1755.

Por ele sabe-se também, que o rio Côa corria para Poente, que abundavam nele trutas e que não se cultivavam as suas margens por ser terra agreste. Sobre a serra mais próxima dos Fóios, escreve que o seu nome é a serra das Mesas, caracterizando-a como possuidora de arvores silvestres, perdizes e muitos coelhos.

A História Hipotética

Quase como se se tratasse de uma terra repleta de alegorias ou de contos místicos, à história dos Fóios é ainda acrescentada uma outra de directriz diferente, e com um carácter científico algo duvidoso, é uma daquelas histórias onde se confunde a realidade com a imaginação, destabilizando a credibilidade histórica, se bem que um ar quimérico dado às histórias, soa sempre de forma bela e mais atractiva.

Esta linha histórico-hipotética baseia-se em achados arqueológicos de relativa importância, em que foram descobertos uma ara votiva a Deus, este chamado de Deus paramaico, supostamente vindo de mitologias ancestrais, foram ainda encontrados, uma torça lavrada, mós de moinho de mão, objectos de ouro, pedaços de cerâmica como telhas, vasos, terrinas, etc., que fazem recuar a presença humana nestes lugares a tempos imemoráveis.

O próprio nome “Côa”, que por intermédio do Latim “Coda” (ou “Cuda”), refere-se a um povo de guerreiros de difícil localização chamados “Lanciencis Transcudani”, ou no português actual, Lanceiros Transcudanos. Existem inclusivamente opiniões que defendem a teoria segundo a qual, povos ancestrais (como os Astures, Galaicos ou Carpetanos) terão invadido e ocupado as terras de Riba Côa, e consequentemente a actual aldeia dos Fóios, há mais de quatro ou cinco mil anos.

A Origem do nome “Fóios”

Tendo em conta e em consideração que as raízes históricas dos Fóios são pouco elucidativas e coerentes, a origem da designação e do seu nome actual, é por consequência, também ele, difuso, pecando pela inexistência de dados confirmativos e rigorosos sobre o assunto em questão.

De todos os modos crê-se que a palavra actual “FÓIOS”, teve em tempos remotos, outro tipo de designação, uma das designações possíveis, é o termo “Fojos”, que significam uma cova funda, feita no fim de duas paredes que principiavam a 2000 metros e terminavam na referida cova. Seguindo outra linha possível acerca da mesma questão, encontra-se o Abade de Pera, que argumenta o facto dos castelhanos, no séc. XVII, terem incendiado “Fojinhos”, nome que tudo indica poder aplicar-se aos Fóios, visto não ter existido outra povoação a que o diminutivo pudesse referir-se. Aliás, sabe-se que de facto os castelhanos incendiaram muitas povoações da raia, sendo possível e provável que a então designação de Fojinhos se aplicasse a uma dessas terras que não escaparam ao vandalismo perpetuado pelos castelhanos.

Assim sendo, pensa-se que o vocábulo actual Fóios, terá sofrido ao longo dos tempos, uma evolução semântica de difícil enquadramento espácio-temporal, o que apenas frusta a vontade de definir com exactidão e detalhe essa mesma evolução.

O Contrabando

O fenómeno do contrabando pode ser entendido sob uma perspectiva eminentemente económica, se bem que enquadrável num surto de emigração específico, ou num panorama de precárias condições sociais. Hoje, praticamente já não existe aquele tipo de contrabando característico da época da emigração.

As causas do contrabando são em essência, muito semelhantes às da emigração, apenas diferem nalgum aspecto mais especifico, o objectivo geral de ambos, era de facto, encontrar elementos que trouxessem algo de produtivo e positivo à vida e às suas condições básicas, como forma de poder alterar para melhor a situação deficitária na qual se encontrava todo o povo raiano em geral. Este contrabando de subsistência era efectuado por forma a complementar o escasso rendimento proveniente da actividade agro-pecuária. Deste modo, devido à falta de géneros e de artigos indispensáveis à vida quotidiana do povo dos Fóios, sentiu-se a necessidade inadiável de procurar uma solução para esse problema, recorrendo ao contrabando ilegal.

Como é óbvio, os Fóios sempre foram beneficiados geograficamente devido à sua proximidade com a fronteira Espanhola, motivo ainda mais aliciante para concretizar a prática do contrabando. Aliás, em toda a zona da raia, o Fojeiro é sempre (ou foi) conotado como sendo o contrabandista mais dinâmico e irreverente, de entre as aldeias todas do concelho do Sabugal. Este facto testemunha a quase dependência vital da população dos Fóios em relação a Espanha, país que sempre foi um foco de fortes influências no modo de vida raiano.

Deste contrabando de subsistência praticado ao longo de muitos anos (e a muito custo!), os Fóios traziam de Espanha, clandestinamente, géneros alimentícios como o azeite , o pão, o trigo, os enlatados de fruta , entre outros artigos de diversa qualidade . Por sua vez os espanhóis iam buscar aos Fóios o leite, o café, o queijo, o peixe, etc.

A Guarda Civil Espanhola e a Guarda Fiscal Portuguesa, foram desde o início, formas de entrave à actividade contrabandista, visto esta ser ilegal e clandestina; não raras vezes eram abatidos como coelhos, os homens que nas serras, por azar, eram apanhados em flagrante delito. Há inclusivamente histórias de crimes que ocorreram no auge do contrabando, e testemunham a perigosidade de aventura por terras de Espanha. A história que se segue reflecte precisamente esse tipo de situações protagonizadas muitas vezes pelo próprio povo dos Fóios:

” O Ti Mateus Nunes e o Ti Chico Pacheco estiveram presos por matarem um espanhol, dono de uma hospedaria à beira da estrada, onde eles comiam muitas vezes quando por ali passavam nas suas viagens no contrabando. Certo dia, o hospedeiro pediu-lhes que lhe pagasse senão que os matava, e pediu a espingarda à mulher. O Ti Mateus não hesitou em dar-lhe um tiro e matá-lo. O Ti Chico deu com um pau à mulher que se fingiu morta. O criado fugiu e, passados poucos dias, veio com as autoridades espanholas reconhecê-los aos Fóios, no meio de muitos homens”.