Tradições

Como qualquer outra aldeia, os Fóios possuem marcadamente uma personalidade sócio-cultural bem definida, apesar de estar obviamente inserida no quadro geral da cultura raiana. No entanto, (e segundo vários testemunhos), os Fóios parecem desmarcar-se do padrão de cultura que é extensível às restantes aldeias da raia.

Apesar de alguns aspectos da tradição se terem desvanecido gradualmente pelo desgaste inexorável do tempo, e por eventual desinteresse ou indiferença por parte das camadas mais jovens, (o que é natural tendo em conta os “tempos modernos” em que vivemos) foi-se incrementando em compensação, outras vertentes dos costumes, usos e tradições que vieram enriquecer e personalizar ainda mais a vivência cultural dos Fóios.

Por exemplo, já não se vive (na aldeia) e se festeja o Carnaval como antigamente, nem existem bailes de domingo à tarde na praça, com o povo a dançar ao som do acordeonista. Este tipo de tradições não foram preservadas devido à implacável investida dos costumes tidos de modernos, como as discotecas, festas privadas, conjuntos de Rock, etc. A alma dos Fóios, o seu espírito cultural, a sua forma de encarar as coisas, levam a que haja por um lado, uma persistente conservação e preservação de certos costumes, e por outro, um progressivo afastamento em relação a outras tradições e costumes. Falta apenas saber a verdadeira razão e causa para tudo isto.

Na realidade os Fóios fazem da sua cultura, uma espécie de síntese de todos os elementos que dela fazem parte, constituindo assim, uma via de renascimento de novas ideias e concepções, concepções estas, engendradas em parte pelos pensamentos inovadores dos emigrantes, influenciados pelas suas vivências no estrangeiro e ávidos de as transmitir aos seus conterrâneos.

Outro tipo de influência, provém do lado de lá da fronteira, pois como já foi referido, a Espanha exerceu desde sempre nos habitantes dos Fóios, uma influência decisiva e permanente, quer nos hábitos alimentares, na linguagem, quer no vestuário e nos costumes. Pode-se pensar que estes fenómenos acontecem a qualquer aldeia, mas talvez não seja bem assim; uma terra como os Fóios, que esteve no auge da emigração fortemente condenada a ser uma simples quinta, e que conseguiu em pouco mais do 10 ou 15 anos, ” elevar-se a uma das aldeias mais dinâmicas e activas culturalmente de todo o concelho do Sabugal”.

De seguida, estão algumas das tradições mais conhecidas e significativas dos Fóios, apesar de uma ou outra ter (infelizmente) já desaparecido.

A Matança do Porco

A matança do porco, conjuntamente com o ciclo das mais importantes tarefas agrícolas, é um dos raros momentos em que a família e os amigos se juntam num ambiente festivo e de grande confraternização. O porco mata-se geralmente, aquando da vinda do Inverno, ou seja, após o S. Martinho; o porco é um animal considerado doméstico, na medida em que é criado durante todo o ano, e é também um dos maiores recursos alimentares do povo raiano.

O porco é morto da seguinte maneira: preparados o banco e a faca de matar, o porco é conduzido pelos homens até ao local escolhido para a matança e deitado no banco; com cinco ou seis homens a segurar com firmeza o porco, este é degolado até que a última gota de sangue caia no alguidar que uma mulher segura por baixo do pescoço do animal.

Depois, já morto, é chamuscado com palha, a seguir é raspado com o fim de que o couro fique limpo e liso. Na etapa seguinte, o porco é pendurado na loja mais fresca da casa, sendo aberto com o propósito de lhe retirarem as tripas para que sejam lavadas em água corrente pelas mulheres. A partir desta fase, é concebido todo o diversificado rol de enchido, algum característico dos Fóios, como as farinheiras, morcelas, farenhatas entre o enchido mais conhecido como o chouriço, o bucho e o presunto.

O Namoro e o Casamento

Nos Fóios, o namoro praticado antigamente, era concebido quase sempre, à base de interesses sociais e económicos. Por vezes eram os próprios pais que estabeleciam com quem os filhos iriam namorar e, posteriormente casar. A liberdade de escolha por parte do noivo ou noiva, quando inexistente, era camuflada pelo par envolvido.

O critério de selecção dos pais era sobretudo centralizado, no nº de vacas, de lameiros ou de terrenos dos possíveis pretendentes, e só após esta análise cuidada é que eles decidiam quem escolher para noivo ou noiva do seu filho ou filha. Acontece que se efectuavam muitos namoros às escondidas, e os rapazes aproveitavam qualquer oportunidade para se aproximarem das moças. Por exemplo, nos bailes, à saída da missa ou durante as ceifas, eram momentos propícios para o intercâmbio entre os pretendentes. Também quando as raparigas iam à fonte ou ao chafariz se proporcionavam momentos de conversa discreta, tal como o “namorar à janela”, ou as longas conversas tidas entre filhos e pais nos palheiros, à luz do candeeiro de petróleo. Quase toda a ocasião era motivo e pretexto para um encontro informal entre os namorados, aproveitando cada minuto na satisfação de interesses mútuos.

As raparigas que namoravam por carta, e que tinham os namorados na tropa, muito raramente sabiam ler ou escrever, pelo que pediam a uma amiga ou a uma familiar íntima que lhe escrevesse ou lesse a carta.

Havia igualmente uma tradição muito usual, chamada patenta, que consistia no facto de qualquer rapaz estranho à aldeia querer casar com uma moça da terra, Ter de pagar um determinado valor, quer fosse em género, artigo ou dinheiro.

De referir ainda, que esse valor tinha de corresponder à condição socio-económica do noivo. Para além da patenta, existia outro costume muito corrente que consistia no acto da noiva ir a casa do noivo oferecer-lhe um presente, (geralmente era um artigo realizado pela própria noiva, como camisas de linho ou lenços bordados) pelo que ficou designado por “levar a camisa ao noivo”. Esta ida da noiva a casa do noivo, era sempre efectuada na companhia de amigas íntimas, as quais eram convidadas (pela futura sogra da noiva) a jantar e a passar o serão em confraternização.

Em tempos idos, o divórcio quase não existia, (quando muito, os cônjuges “apartavam-se”) e caso viesse a suceder, seria um escândalo moral para a população, habituada à noção de casamento “perpétuo” e irreversível. Mesmo assim, os separações definitivas eram raros e pouco frequentes, mesmo que se efectuassem tentativas de consumação de adultério. Para o povo dos Fóios, o casamento é um valor de inestimável significado social e moral, e a sua possível desagregação como instituição, representaria um terrível feito sócio-cultural para a estabilidade da própria população fojeira.

Bruxaria, Superstição e Lenda

Estes três elementos são quase indissociáveis da tradição e da cultura de uma dada região ou comunidade rural. Longe do materialismo reinante nas cidades, onde falar de bruxas ou feiticeiras é completamente descabido, a aldeia facto, o centro no qual se desenrola toda uma série de crenças (e crendices) representativas do sentir quotidiano das gentes (neste caso) raianas.

Estas superstições e crenças, são o resultado duma preocupação constante pelas incertezas da vida, pelo temor ao desconhecido, e por uma evidente ignorância do povo face às mais diversas situações vivenciais.

Segundo um testemunho recolhido nos Fóios, foi durante a década de quarenta, que se registaram um maior número de actividades e práticas de bruxaria e de feitiçaria, as quais se destinavam a afastar maus olhados, ou espíritos malignos. Por essa altura ainda, iam aos Fóios, os curandeiros que se diziam possuidores de dons e poderes inatos, capazes de superar qualquer mal físico ou espiritual, que as pessoas eventualmente tivessem. Existiam também aquelas pessoas que afirmavam ser capazes de realizar “encantamentos “, geralmente eram adivinhos ou bruxas, que apregoavam a sete ventos acontecimentos ou fenómenos, que tinham mais de fantasia e de imaginação, do que propriamente de autenticidade. Por exemplo, afirmavam que debaixo do solo dos Fóios, existia ouro, algo totalmente fora da realidade, mas que certas pessoas mais crédulas e ingénuas acreditavam poder ser verdade.

A crença na encomenda das almas era vulgar ser concretizada, através de rondas feitas pela povoação, cantando e rezando o terço pelas ruas. Na altura da quaresma, eram os homens que rezavam, acompanhados de um instrumento chamado rela que dava o sinal para ir à missa, ou a outro tipo de celebração religiosa. Como forma de afugentar o mau olhado e os males de espírito, a população dos Fóios, recorria a rezas, esconjuros e defumadouros. A lenda mais conhecida nos Fóios, diz respeito a chamada “fonte dos Mouros, localizada nos pardieiros, onde dizem que apareciam fadas encantadas e bezerros de ouro (e outros encantamentos). Existe uma outra lenda designada por “casa dos ladrões”, que consistia num conjunto arquitectónico natural formado por rochedos a fazer uma casa quadrada, onde se açoitariam os ladrões que infestam a zona.

Os Fóios possuem uma característica natural, que confunde o sagrado com o profano, as crendices e as superstições com a própria religião. Todavia, a mentalidade muda ao sabor dos tempos, e actualmente, apenas os mais idosos acreditam em superstições e crenças. Estas são apenas algumas das superstições que subsistem ainda na mente das gerações mais antigas dos Fóios:

  • Não é bom abrir guarda-chuva dentro de casa
  • Dá sorte encontrar um trevo de quatro folhas
  • Dá azar ouvir piar a coruja
  • Quando se sonha com touros, no dia seguinte chove
  • Colocar uma ferradura atrás da porta, afugenta mau olhado
  • Benzer uma casa para livrar de maus espíritos
  • Não dizer ou pronunciar o nome “Diabo” com pena que ele apareça
  • Partir um espelho dá sete anos de azar
  • Nunca passar à frente do cemitério à meia – noite, por ser a hora em que as almas sobem para o Céu
  • Dá azar sonhar com castanhas

Atividade Artesanal

Os Fóios nunca tiveram uma actividade artesanal de grande relevo, pois nunca houve uma tradição enraizada na terra, que permitisse afirmar a existência continua de formas de artesanato específico e característico. Houve sim (e continua a haver), casos isolados de exímios praticantes na concepção de artigos artesanais, mas não é o suficiente como para dizer que há gente nos Fóios, que trabalha exclusivamente neste tipo de ofício, sem que possua qualquer outra actividade paralela.

Num meio agro-pecuário, como sempre foi a aldeia dos Fóios, a pouca actividade artesanal que se faz sentir, existe apenas como apoio á agricultura e á lavoura; esse apoio manifesta-se sobretudo, através de trabalhos realizados em madeira, ferro e outros, que ajudam no bom funcionamento da actividade agrícola. Hoje, são raros os sapateiros, latoeiros, pedreiros, caldeireiros ou moleiros, visto que o evento da civilização (com aparecimento da electricidade e da industrialização das actividades rurais) tornou a actividade artesanal obsoleta, cara e ineficaz, facto que a levou a uma gradual extinção.

Mesmo com o progressivo desaparecimento da actividade artesanal manual nos Fóios, é de salientar que existem ainda pessoas com espírito criativo e artístico, e que realizam trabalhos de notável qualidade artística, é o caso dos lençóis feitos de linho, tapeçaria e fazenda diversas, lenços de seda bordados ou rendilhados à mão, entre outros trabalhos de alfaiataria e de carpintaria. Para além dos exemplos referidos, pouco mais há a acrescentar, pois os tempos modernos (e tudo o que eles acarretam para a modernização das actividades humanas), uma vez mais, se encarregaram de alterar radicalmente a realidade dos Fóios.

“ A crise em Portugal em 1946”

“ Portugal hoje é moderno

diferente no proceder

o rico forma o governo

a jeito de ele só viver;

vive o pobre no inferno

e falta-lhe o pão que comer.”

“ A miséria faz-nos ver

o operário a mendigar

melhor signo era morrer

antes de o tempo chegar;

de ter que a mão estender

à caridade popular.”

“Apreciações do Rio Côa”

“ Visitei o Côa lindo, afluente

permaneci nas suas margens sentado

admirando a fresca agua transparente

que dava um brilho de sol espelhado,

teu brilho durará eternamente

mas quem te adora pela morte arrebatado.”

”  É o elevado emblema da paisagem

que percorres na tua viagem.”

Como se pode apreciar após a leitura destes poemas, Abel do Espírito Santo, detinha um sentido apurado daquilo que era ( e continua a ser) viver nos Fóios, às margens do rio Côa, e da sua nascente. Abel foi porventura, o único poeta dos Fóios, que melhor soube transmitir e expressar a verdadeira alma de ser raiano. Encontra-mos nele, um forte sentimento crítico sobre a realidade existente na altura (recorde-se que o período de maior actividade literária de Abel, foi durante a década de 50 e 60), sendo também um observador nato, de tudo aquilo que ao seu redor se passava. Este facto, não implica no entanto, que o seu espírito se deleitasse melancolicamente, com a beleza paisagística e natural da região fojeira.

Mas se Abel do Espírito Santo é um saudosista e um nostálgico, é-o de forma muito característica e pessoal, porque característico e pessoal, é também o espírito fojeiro.

”  Ó que flor mais perfumosa

que criou a natureza

pequenina e não vaidosa

levezinha e pouco pesa.”

“ porque te eu busco me foges

porque te eu quero me deixas

porque te adoro te escondes

pelo teu amor me enfeitas.”

“ Diante tenho quem amo

quero bem a quem estou vendo

de frente tenho quem quero

venero a quem estou querendo.”

Estas quadras em verso reflectem um sentimento de paixão, de afectividade e de amor relativamente a pessoas ou entes queridos. Costumam ser proferidas ou declamadas aquando dum amor particularmente difícil ou conturbado, por forma a cativar e chamar a atenção da pessoa que se gosta.

Os fojeiros possuem determinados princípios morais que, em dadas circunstâncias, utilizam, esses princípios, podem (e são) ser expressos, sob forma de adágios:

  • Faz bem sem olhar a quem;
  • Trabalhar como um galego;
  • De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento;
  • candeia que vai à frente ilumina duas vezes;
  • Cria fama e deita-te na cama;
  • Mais vale burro vivo que sábio morto;
  • Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão;
  • A cavalo dado não se olha ao dente;
  • Fevereiro quente traz o Diabo no ventre;
  • Quem muito dorme pouco aprende.

O seguinte conto (história) relata uma pequena história duma velhinha em apuros que é ajudada por uma menina bondosa; o relato tem o maior interesse, visto ser contado em verso:

“ Uma velhinha, quase cega coitadinha,

já mal podendo andar, encostada ao seu bordão

sempre olhando para o chão,

ía na estrada a passar.

Ouvindo um cão que ladrou,

a pobrezinha parou, olhando em roda assustada;

quis fugir não conseguiu, tentou correr

mas caiu, a pobrezinha coitada.

Nisto surge uma menina, viva, formosa, ladina,

que ao vê-la cair no chão, correu logo

presurosa, carinhosa e à velhinha deu a mão.

– Eu a levanto, avózinha, levo-a a sua casinha.

– O que tem, o que lhe dói? Diga, diga que vou

já buscar, qualquer coisa para a curar, e vou pedir à minha mãe.

– Não foi nada meu amor, tu és um anjo e uma flor;

ajuda-me só a andar, Deus te pague a tua bondade,

com muita felicidade, disse a velhinha a chorar.”

Hino dos Fóios

“Fóios é a nossa terra

é a mais bela de Portugal

é um regalo conhecê-la

porque como ela não há igual.

Mesmo à beirinha de Espanha

e no nascente do rio Côa

é que nasceu esta terra

que não inveja mesmo Lisboa.

É terra do contrabando

de vez em quando lá vai a gente

quer de noite quer de dia

p`la serrania sempre contente.

Tens muita gente emigrada

que não te esquece um só instante

quando chega o mês de Agosto

sofre um desgosto se não vem ver-te”

Jogos Tradicionais

O jogo tradicional representa uma forma de manifestação intrínseca, de como a actividade lúdica e recreativa é vivida, e de que forma esta preenche a vida quotidiana de cada povo especifico. Da mesma forma que nas cidades existe uma determinada forma de entretenimento, assim também nas aldeias, existe uma maneira própria de passar os tempos livres.

Nos Fóios, qualquer motivo para a realização dum jogo tradicional, é sempre recebido de bom grado: uma reunião de amigos, uma festa popular, um encontro no café ao Domingo à tarde, são momentos propícios para a realização de jogos tradicionais, os quais são sempre feitos em alegre convívio e acesa competição entre os jogadores intervenientes. Nos feriados e nos dias santos, a afluência ao “campo de jogos” é ainda mais elevada, pois são alturas em que se põe de parte o trabalho (e os afazeres da vida), e se procuram momentos de camaradagem, feitos em ambiente festivo e alegre.

Actualmente, a actividade tradicional dos jogos é menor, principalmente devido ao incremento do uso da televisão, da frequência a bares e discotecas, que tornam os jogos tradicionais, num motivo de distracção e recreio, insuficiente para as actuais necessidades de estímulo de jovens. É certo afirmar que já não existe tanto entusiasmo e vontade, em distrair-se com os jogos tradicionais, mas mesmo assim, perduram alguns que, por indiferença de uns, faz a delicia e o deleite de outros: são os jogos da malha, da raiola (ou arraiola) e do galo, do pião, da xarumba e das pedrinhas, entre outros menos usuais ou conhecidos, mas que também fazem parte da tradição cultural da terra.

Música e Instrumentos Musicais

Para além da tradição de costumes e de usos que uma aldeia possui, a música popular ou folclórica, surge como o principal garante da identidade cultural ( dos Fóios , neste caso) e artística de qualquer região rural do país, ou mesmo do mundo. A música é a forma superior da expressão espiritual dum povo, do seu sentir e da sua maneira de estar no mundo, da sua relação com este e, sobretudo, com Deus e a religião em geral.

Na aldeia dos Fóios, a vivência da música é verdadeiramente contagiante e exuberante, e o modo da expressividade artística , apesar de não ser intensiva, ou particularmente excepcional, é concerteza autentica na sua espontaneidade emocional. Ou seja, os cantares populares dos Fóios, são, tanto quanto eu pude constatar , um meio único ( e alternativo) e uma via privilegiada, para a libertação directa de anseios, preocupações e angústia que afloram as mentes da população, quase diariamente. Não que todo o canto dos Fóios seja propício a lamentações ou agruras da vida, mas sim porque existe uma relação demasiado estreita, entre os acontecimentos quotidianos, e a forma de “cantar” esses mesmos acontecimentos. Desta forma, é fácil de antever que a música e a vida são elementos indissociáveis dum mesmo sistema cultural, e que, por conseguinte, a eliminação dum desses elementos, contribuirá para uma análise deturpada de qualquer estudo etnográfico-musical.

Neste mesmo processo, a única coisa que toma contornos diferentes (e que caminha para uma evolução contínua), é o meio que o povo fojeiro se serve, para exteriorizar os seus sentimentos mais profundos, ao longo dos tempos. E ao falar de meio, refiro-me à forma (e não tanto ao conteúdo) de expressão musical. Na verdade, esta expressão musical é alterada no espaço e no tempo; ou seja, uma musica cantada nos Fóios, pode ser também cantada noutra região qualquer do país, só que a forma de a interpretar ou tocar, é passível de ser totalmente distinta. O mesmo acontece a uma canção que tenha sido submetida à evolução do tempo: essa mesma canção pode ser hoje cantada de modo diferente relativamente a épocas passadas (ou futuras).

Os instrumentos, esses, mantiveram-se quase sempre inalteráveis ao longo dos tempos; mas mesmo antes de haver instrumentos, o povo cantava só com a voz, ou com o som emitidos pelo próprio corpo, como as palmas pôr exemplo. À medida que os instrumentos foram adquirindo mais e mais uso e utilização pôr parte das gentes dos Fóios, o costume de os utilizar como meios de acompanhamento aos cantares populares, foi também crescendo.

As actividades musicais nos Fóios , não muito frutíferas nem muito regulares, não existe um rancho folclórico, nem um grupo vocal ou instrumental. Em tempos idos, havia muita gente que sabia tocar a concertina ou o cavaquinho, e muitas vezes se organizavam bailes ao fim de tarde – geralmente aos domingos – em que se juntavam novos e velhos, solteiros e casados, num ambiente de festa e de alegria. Como já anteriormente referi, existia também a ronda e as serenatas feitas ás raparigas solteiras. Pôr alturas da década de cinquenta, costumava ir aos Fóios um ceguinho que tocava guitarra e realejo, e que pedia esmola em troca de ensinar as canções à população. Poder-se-á contudo dizer que os momentos mais propícios para o povo cantar, são aqueles em que dominam os factores laborais ( as canções da ceifa, da arranca das batatas, na monda do trigo e na debulha do milho), lúdicos (nas festas populares, nos bailes, no convívio entre amigos ou familiares) e religiosos (cantares da igreja). Como tocadores de instrumentos ficaram celebres nos Fóios, senhores como o Lei Beras, Zé Pascoalinha, Juanito, Abel do Espírito Santo e Xavier da Veiga; à excepção deste último, que tocava bandolim, todos os outros se dedicavam ao acordeão, e actualmente, apenas o Lei Beras exerce (já muito raramente) a prática instrumental, e só em ocasiões que proporcionem ao acto.

Assim, como instrumentos típicos da aldeia dos Fóios, temos os seguintes:

  • realejo
  • acordeão (concertina)
  • rela (instrumento de percussão próprio dos Fóios)
  • castanholas (parecidas com as espanholas)
  • flauta (construída a partir das canas de Sabugueiro)
  • cavaquinho
  • ferrinhos
  • pandeireta

Não há indícios históricos que provem a existência no passado, de grupos de música folclórica, étnica ou popular; sabe-se porém, que houve sempre pessoas dedicadas à música da terra, e que cada vez que se juntavam, proporcionavam momentos de grande convívio, ao mesmo tempo que ajudavam a preservar o património musical do povo.

Nos anexos de música, poderão ser consultadas algumas das musicas (populares e religiosas) cantadas nos Fóios, algumas só conhecidas pelas gerações mais velhas, na medida em que os jovens presentemente, têm outro tipo de preferências musicais, que não relacionadas propriamente com os cantares tradicionais. De referir ainda, que um grupo de jovens naturais dos Fóios, constituíram há cerca de dois anos, um “conjunto musical”, com o propósito de animar festas e bailes da região da raia.

Lenda da Mesa dos 4 Bispos

O nome “SERRA DAS MESAS” provem do facto de num determinado local existir uma mesa junto da qual se sentavam quatro Bispos, ficando cada um no território pertencente ao respectivo bispado.

Esses Bispos eram os de Ciudad Rodrigo, Coria, Lamego ( de que desmembrou o já extinto de Pinhel) e o da Guarda.

A página 181 do volume II do Archeologo vem transladada parte das «Memórias Parachiais» do seguinte teor: « … a celebrada serra das mezas, aonde estão quatro Byspos sentados á mesa cada hum no seu Byspado , dividindo quatro Linhas seperficiais, do centro aos ângulos…de cada Byspo que é: o da Goarda, Lamego, Coria e Cidade Rodrigo, e pelo meio huma Linha divide este Reino do de Castella e há tradição que por padroens esteve esta maravilha patente». T. 2.º fl. 412 das Memorias Parochiais, Arq. T.2, pág. 181).